segunda-feira, 9 de junho de 2008

Miró, o Recife aos olhos da poesia independente


Camisa verde, colar de semente, óculos ray ban (falsos, como ele faz questão de frisar).Assim chegou João Flávio Cordeiro da Silva, o Miró, para a nossa entrevista. Morador da Muribeca, bairro periférico da cidade de Jaboatão, pegou uns dois ônibus pra chegar ao nosso local combinado, o shopping Tacaruna. Não era exatamente o melhor lugar do mundo, mas era o mais seguro em pleno sábado de aleluia! Já chegou esbanjando simpatia, e não se mostrou incomodado de sair de casa em pleno feriado. Entre alguns chopes e o barulho ao redor, rolou o nosso papo. Miró é artista e poeta até conversando. Gesticula, faz careta. Expressivo até não poder mais!É a representação do Recife nos seus gestos, na sua linguagem, no seu jeito. E quando declama, não tem quem desgrude os olhos dele!Desenrolado que só ele, fala (e como fala!) sobre tudo o que se pergunta: início de carreira, Recife, educação, relação com o meio universitário... João Flávio Cordeiro da Silva nasceu no Recife há 46 anos. Foi transformado em Miró pelos amigos, porque lembrava Mirobaldo, um craque do time do Santa Cruz. Ele é um acúmulo de surpresas. É um poeta que jamais entrou na universidade, mas já recebeu várias homenagens e prêmios no meio acadêmico.Ele não precisou passar por tradições literárias em seu currículo. Sempre que Miró acaba de recitar uma poesia a platéia vai ao delírio. O poeta fala de um mundo abaixo do nível de quem está ouvindo. O primeiro elemento cômico é que a miséria é engraçada. Traições, “bacolejos” e a sujeira da cidade do Recife tornam-se motivos de risada. Por ser um poeta independente, a sua arma e o seu humor é a verdade. São aquelas coisas mínimas, constrangedoras, que não confessamos nem às paredes, ele, como um louco, expõe. Mais do que escrever, ele repassa o que não está ao alcance dos olhos da sociedade. Dotado de grande talento, criatividade, consciência e conhecimento do que se faz, Miró prova que a receita para se conquistar um espaço na estante ou no pensamento dos ouvintes não são palavras difíceis ou falar de uma realidade distante. Ele mostra a poética presente bem pertinho de nós, no cotidiano. Deixo aqui um poema dele pra vocês conhecerem um pouco desse genial poeta pernambucano, embora não muito conhecido:

DE MURIBECA AO CENTRO

O cheira-cola coçando piolhos
De frente ao aeroporto
Fantasias eróticas
Domingo e segunda-feira -21 hs- não percam!!
Um pedreiro negro sem camisa e chapéu
Dizendo ao patrão branco
O que tá faltando na construção do mundo.
Dois caras encostados na estátua da calçada do Geraldão
Na inércia de uma Terça nublada
O motorista do ônibus dá um banho num cara de gravata todo arrumado
é melhor evitar a Mascarenhas de Moraes (disse o cara pelo celular)
uma sirene da polícia bem alto avisando ao ladrão que está chegando
um ser humano se arrastando no alumínio do ônibus
descendo com duas moedas de 10 centavos

Poeta Miró
In: Poemas para sentir tesão ou não; Recife, 2001

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